domingo, 21 de setembro de 2025

 A Solidão que Abraça

No meio do ruído, da inquietude incessante da mente, surge a solidão — não como ausência, mas como um convite suave, quase sussurrado, para um encontro profundo consigo mesmo. Ela não é a voz do vazio, mas o eco delicado da alma que deseja respirar, se abrir e se reconhecer.

Nietzsche dizia que caminhar é a dança dos pensamentos que se desenlaçam no ar; é nesse vai-e-vem do caminhar e do silencio que damos espaço para o florescer das ideias e para a redescoberta do nosso ser. E como ensinaram os mestres do silêncio, desconectar-se do ruído constante da mente é como deixar cair a máscara para finalmente tocar o presente — esse instante que pulsa, que vive e que nos chama pelo nome.

Eu, que leio para nunca estar só, carrego comigo a companhia dos livros, mas sei que, às vezes, é preciso fechar a página, elevar o olhar ao céu aberto e respirar o ar da solidão — esse ar que não isola, mas acolhe. Nesse respiro pausado, na quietude que me habita, reencontro a calma e o sentido que parecem ter se perdido no burburinho do mundo.

Para quem vive o turbilhão de pensamentos, quem tem a mente que não para — como o TDAH que me acompanha — os aforismos do "Lobo da Estepe", de Hermann Hesse, são um farol que atravessa a névoa. São palavras que acalmam, que guiam, que permitem que o coração, mesmo em meio à tempestade, sinta a serenidade bater à porta.

Assim, deixo um convite para você que lê: permita-se esse instante sagrado de solidão — não para fugir, mas para se reencontrar. Que nesse silêncio possa brotar a poesia da sua própria existência, e que ela te embale, te cure e te liberte.

Porque a solidão, essa doce companheira, é o caminho pelo qual o destino nos guia para dentro de nós mesmos — onde reside a verdade e a vida se revela em toda a sua plenitude.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Entre o Caos e a Compreensão: Reflexões de um Portador de TDAH

Tenho quase cinquenta anos. Carrego comigo uma história longa, marcada por rótulos, culpas e julgamentos — muitos dos outros, a maioria vindos de mim mesmo. Sou portador de Transtorno de Déficit de Atenção predominantemente desatento, e essa condição moldou, em silêncio, grande parte da minha vida. Sempre fui o desorganizado, o procrastinador, o que começa com entusiasmo e termina com pressa, o que esquece prazos, datas, compromissos. E por isso, durante muito tempo, fui também o alvo de críticas, de olhares impacientes, de cobranças duras e pouco compreensivas.

Não posso negar: isso me feriu. Fui me enchendo de frustração, de raiva, de vergonha. Em momentos sombrios, mergulhei em pensamentos desesperadores — flertei com a ideia de desistir de tudo, inclusive de mim. O peso de não corresponder às expectativas do mundo — e às minhas próprias — parecia insuportável. Como é duro viver em guerra com a própria mente.

Durante anos, resisti à ideia de que houvesse uma explicação possível para meu jeito de ser. Mas, aos poucos, fui entendendo que o nome que deram para isso — TDAH — não era uma desculpa, tampouco uma sentença. Era um ponto de partida. Um convite à compreensão. Comecei a estudar o transtorno, a mergulhar em relatos, pesquisas, experiências. E, aos poucos, aprendi a ser mais gentil comigo mesmo.

Sim, eu tenho TDAH. Mas não me escondo atrás disso. Não uso minha condição como álibi para a irresponsabilidade ou a negligência. Pelo contrário: a consciência do transtorno me fez buscar estratégias, ferramentas, rotinas que me ajudem a atravessar o dia com mais presença, mais foco, mais estrutura.

Uma dessas ferramentas é a escrita. Escrevo diariamente em um diário — como uma forma de organizar o turbilhão mental, de registrar metas, de elaborar sentimentos. Escrever é meu modo de silenciar o caos, de me escutar com mais atenção. Uso também listas de tarefas, cronogramas, aplicativos de organização. Nem sempre funciona. Às vezes falho. Mas aprendi que falhar não me desqualifica como ser humano.

Mas se hoje estou aqui, inteiro, lúcido e disposto a seguir — devo isso também, e talvez principalmente, à literatura.

A leitura foi o refúgio que me salvou quando nada mais parecia fazer sentido. Enquanto o mundo me apontava falhas, os livros me ofereciam abrigo. Mergulhei nos clássicos como quem busca ar embaixo d’água. Fui moldado por Dostoiévski, Machado de Assis, Érico Verissimo, Rubem Fonseca, entre tantos outros. Encontrei neles não apenas personagens com quem me identifiquei, mas uma linguagem que me deu nome, que traduziu meus abismos internos em palavras compreensíveis.

Ler me humanizou. Me deu repertório, lucidez e empatia. Me ensinou que o sofrimento, embora singular em cada um, é universal. Que todos, em alguma medida, estamos tentando atravessar as nossas tempestades. A literatura me ofereceu espelhos e janelas — espelhos para me reconhecer, janelas para respirar outros horizontes.

Hoje, carrego uma paz que não é plena, mas é sincera. Uma paz construída a partir da aceitação, da maturidade e do esforço contínuo. Conviver com o TDAH é como remar contra uma correnteza interna. Mas remar é possível. Cansa, mas ensina. E nessa travessia, aprendi a olhar para mim com menos culpa e mais compaixão.

Não sou um preguiçoso. Não sou um irresponsável. Sou alguém que luta todos os dias para dar conta do mundo e de si mesmo. E essa luta, por mais solitária que pareça, não é vã. Ela me humaniza. E, quem sabe, possa inspirar outros que também se sentem à deriva a acreditarem que há caminhos — mesmo que tortos, mesmo que lentos — para a serenidade.

E se eu puder deixar uma última reflexão a quem lê este texto: nunca subestime o poder de um livro. Às vezes, ele é o único abraço possível para quem, como eu, sempre se sentiu um pouco fora do lugar.



sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O CARTEIRO E O POETA - ANTÔNIO SKÁRMETA

Eu já havia retirado o livro anos atrás, na Biblioteca Pública Municipal, o título me chamou atenção. Li apenas algumas páginas e abandonei a leitura, não sei porquê, sou um leitor sem padrão, não me peçam para explicar meus hábitos de leitura. Porém semana passada, apossei-me dele em um troca-troca na Feira do Livro, está a meu lado, agora lido de cabo a rabo, numa leitura rápida e prazerosa. O romance narra a história de um jovem Chileno de 17 anos, MARIO JIMENEZ, que tendo uma bicicleta arranja emprego de carteiro na Ilha Negra, onde há um único cliente, ninguém menos que PABLO NERUDA, que recebia quilos de correspondência por dia. Mario faz amizade com o poeta, que o ajuda a conquistar o amor de uma bela garota, Beatriz, filha de ROSA GONZALES, a dona do bar (estalagem). Rosa, inicialmente se opunha ao relacionamento, e fora queixar se a NERUDA, que, convence a mãe a aceitar a relação, torna-se padrinho e casamenteiro dos pombinhos. Neruda envolvido em política, é cogitado para concorrer a presidente do Chile, mas resolve apoiar Salvador ALLENDE, que eleito (o primeiro marxista democraticamente ...), nomeia o Poeta “Embaixador em Páris”, para onde Neruda parte em traje azul de tecido inglês e gravata de seda italiana. Neruda recebe o Prêmio Nobel, as forças conservadoras de Pinochet avançam...Não direi mais nada para não dar "spoilers", quer saber mais leia o livro. Eu adorei, conheci a fundo o significado de "metáfora". há na obra um tratado de poesia, oficio que Mário acaba se apropriando e, pelo qual conquista Beatriz, plagiando uns poemas do mestre. Soube que há um filme inspirado nessa trama e que é altamente poético e recomendável. Assistamos. Até breve.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

 

BIBLIOTERAPIA

 Como leitor ávido, voraz, contumaz (olha o excesso de adjetivação, senhor escritor, isso contraria as regras dos manuais), costumo buscar na leitura remédio para as vicissitudes da vida. Assim foi quando estive com problemas familiares: li certos romances que mudaram meus sentimentos e cuja nova compreensão de mundo possibilitou respirar fundo, e prosseguir com o matrimonio. Também houve vezes em que a ideia de suicido me fora rechaçada ante a leitura de belas páginas de textos clássicos. Até na Bíblia, que apesar de ser um livro magnifico, não é de minhas leituras frequentes, encontrei abrigo. Devo confessar, porém, que não sou autossuficiente, para me auto prescrever esses remédios da alma. Foi pesquisando na rede que consegui estabelecer contato com um “biblioterapeuta”, um médico versado em literatura, sujeito altamente culto e gentil, que me atende gratuitamente, faz o diagnóstico das minhas angustias e prescreve a ficção ideal para o momento. Já cheguei ao pensamento (reducionista é claro) de que minhas desilusões são fruto de falta de literatura. Com a leitura vem a cura. Foi assim quando me senti irado, exausto e com claustrofobia, e o doutor me receitou “Zorba, o Grego”, De Nikos Kazantzakis. Imediatamente corri à biblioteca pública e o tomei de empréstimo. Naquele tempo não havia o aplicativo de mensagens instantâneas; hoje eu envio o pedido por mensagem e a bibliotecária, muito atenciosa, já deixa o livro á mão, algo útil para ganhar tempo, se houvesse tele-entrega, seríamos primeiro mundo.

A consulta, virtual, é breve, questão de minutos:

Eu - Bom dia Doutor!

Biblioterapeuta online: - Bom dia meu querido, em que posso ajudá-lo?

Eu – Sinto-me sufocado, dor de cabeça, depressão...

Biblioterapeuta: - A depressão é o mal do século, você não é o único... O que tens feito ultimamente?

Eu: Trabalho o dia todo, arranjo me com as contas que não consigo pagar, mal me alimento, bebo pouca água, e as noites tenho bebido um pouco demais, algumas taças de vinho, na hora até me faz bem, ouço música, durmo mal, no outro dia bate essa sensação de vazio existencial...

Doutor: Amigo, seu caso é simples, tome nota aí: acorde cedo (5 horas), respire o ar matinal, beba agua em abundancia e leia por uma hora sem parar; vai aí uma lista de três bons livros...

domingo, 28 de abril de 2024

O Ghostwriter

 

Vou lhes contar a verdade, mas peço que não contem a ninguém. Se vazar, alguém do meio pode se sentir ofendido. Sim, de fato vivo da escrita, mas não tenho livros publicados, não sou jornalista, colunista, redator, tradutor, ou coisa assim. Sou advogado, mas não vivo da advocacia. Sabem o que é “ghostwriter”? É um termo em inglês, que se traduz por escritor fantasma. Sou eu esse fantasma que não aparece. Sou esse cara que escreve para outros. E eles publicam os meus textos com se deles o fosse. Funciona assim, eles me encomendam o texto, dizem qual a modalidade da narrativa, se conto, crônica, artigo de opinião ou coisa assim (só não me pedem para fazer poesia que isso não faço não). Me dão o assunto e algumas diretrizes (ser politicamente correto é uma delas), e eu me ponho a trabalhar, dão me prazos, até porque prazos também eles os têm, e como não conseguem dar conta, terceirizam a mim. Tudo começou por meio de um site, fiz um cadastro, enviei uns textos e fora aprovado, meses depois surgiu o primeiro pedido, tudo via e-mail, com a maior discrição. Sigilo absoluto, clausula de confidencialidade, essas coisas, a agencia não divulga para quem estou trabalhando, mas através de muito garimpar na rede eu encontro meu destinatário final. Depois passei a oferecer diretamente meus serviços através de um perfil próprio, aos poucos os autores foram aparecendo. Não pense que é fácil, tenho clientes regulares, é preciso adotar o estilo de cada um. O mais assíduo é um cronista de um periódico da capital, às voltas com inúmeros projetos e uma vida irregular regada a bom whisky e noitadas. O facínora, quando amanhece de porre e se dá conta que tem que enviar a sua crônica semanal, chama o querido aqui, quebra esse galho, ele diz ao final da mensagem. Manda logo uma crônica aí sobre o pôr do sol porto-alegrense ou outra banalidade qualquer E eu, sóbrio, tenho que me virar, para fazer algo original, um texto conciso, bem humorado e inteligente como somente o cronista que ele é consegue fazer; tem que usar todos os recursos, a fina ironia, o humor perspicaz, uma pitada de emoção contida e a indignação que não pode ser disfarçada. Com todos esses elementos o texto há de ficar bom, seja lá qual for o assunto. Hoje é tudo instantâneo, o texto vai por whats, o pix vem logo depois, sempre acompanhado de um breve elogio: -você é o cara. Eu capitalizo, pago umas contas e compro umas cevas, já estava com crise de abstinência, eu, o escritor sóbrio. Para todos esses caprichos leio e releio as crônicas genuínas de outrora, quando era ele ainda não tinha dinheiro e precisava ganhar a vida, e só por isso levava sua escrita a sério. Mas leio também os mestres da crônica brasileira, o insuperável Luís Fernando Verissimo, para aprender com ele. Também gosto da Martha Medeiros e do Moacyr Scliar. Já o cara bebum-pesquisei sua história- saiu daqui do interior, empregou-se num importante veículo de comunicação e trabalhou duro, mas depois que passou a ganhar uma boa grana se perdeu na farra. Não deve ter encontrado sua cara metade em Porto Alegre, senão tomaria juízo. Fosse eu solteiro também seria um grande boêmio, minha negrinha não deixa. Ele gosta de futebol, churrasco e vinho, muitas de suas crônicas começam pela boa mesa. Eu que não tenho dinheiro pra comer e beber as turras, tenho que ser ator, encarnar o personagem, e escrever experiencias de degustação que não são as minhas, mas que encontro disperso pela literatura afora. As vezes para produzir um parágrafo leio centenas de outros antes, até encontrar a ideia certa, a leitura é minha inspiração. Também já fiz TCC sob encomenda, na área de humanas, minha formação, esses eu cobro bem, porque dá muito trabalho. Muitos chegam com prazo apertado, eu viro as noites, e cobro adicional noturno.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Hora do adeus!

 

A mulher aborreceu-se quando esbarrou na pilha de livros sobre a escrivaninha. Não encontrando espaço em meio a tantos volumes, exclamou energicamente: - Porque raios você quer tantos livros, se não lhe servem pra nada? Foi um soco no estômago que me causou profundo mal-estar. Restei abatido por um sentimento de tristeza e desgraça. Aos prantos, as palavras doeram, e mesmo enfraquecido, reuni forças para decretar: é o fim. Juntei as centenas de livros em duas grandes caixas de papelão. Numa mala pus as roupas e alguns objetos pessoais, o notebook, o violão e nada mais. Enquanto esperava o taxi, para partir sem saber para onde, pensei: vinte e cinco anos... Não haveria de suportar mais um minuto sequer ao lado de quem despreza meus amigos mais íntimos. Percebi o carro se aproximando, comtemplei pela última vez aquele rosto sereno e impassível, cujos olhos oblíquos nada dissimulavam. Adeus.

terça-feira, 16 de abril de 2024

Recomeçando

 O ano é 2024. Acossado pelas novas dinâmicas e velhos interesses, resolvi retomar as postagens aqui no Blog. Enfim rompi a barreira do silencio. Hoje não sou mais um zé ninguém, sou advogado, tenho registro no órgão de classe, que obtive a duras penas, depois de cinco anos de faculdade e mais um ano às voltas com as provas do exame da ordem. Deu certo, estou habilitado ao exercício profissional da advocacia, a postular em juízo, representando os interesses dos meus clientes (que ainda são poucos, mas no futuro serão centenas). 

Finalmente enviei um texto para publicação em uma coletânea do Circulo de Escritores, e serei então publicado, tornando-me oficialmente um escritor, Meu livro de contos está no prelo e assim que obtiver os financiadores haverei de publicá-lo. Haverá lançamento festivo, comes e bebes, imprensa, autoridades e mais uma multidão de convidados, para uma sessão de autógrafos. Eis o cenário que se descortina. 

O que escrevo? Crônicas do cotidiano, e histórias fantásticas, ao estilo do realismo mágico de autores latino-americanos, temas profundos a exemplo de Tchecov, que perscrutam as profundezas da alma humana. Li a vida toda, agora é a hora de ser lido. Choverão convites para entrevistas, gerações de jovens leitores e estudantes indagarão meu processo de escrita, ávidos por descobrir como consigo escrever essas coisas tão magnificas dotados de lirismo e beleza incomum, para um prosador do sul dos trópicos. Enfim, é a gloria literária!