Vou lhes contar a verdade, mas peço que não contem a ninguém. Se vazar, alguém do meio pode se sentir ofendido. Sim, de fato vivo da escrita, mas não tenho livros publicados, não sou jornalista, colunista, redator, tradutor, ou coisa assim. Sou advogado, mas não vivo da advocacia. Sabem o que é “ghostwriter”? É um termo em inglês, que se traduz por escritor fantasma. Sou eu esse fantasma que não aparece. Sou esse cara que escreve para outros. E eles publicam os meus textos com se deles o fosse. Funciona assim, eles me encomendam o texto, dizem qual a modalidade da narrativa, se conto, crônica, artigo de opinião ou coisa assim (só não me pedem para fazer poesia que isso não faço não). Me dão o assunto e algumas diretrizes (ser politicamente correto é uma delas), e eu me ponho a trabalhar, dão me prazos, até porque prazos também eles os têm, e como não conseguem dar conta, terceirizam a mim. Tudo começou por meio de um site, fiz um cadastro, enviei uns textos e fora aprovado, meses depois surgiu o primeiro pedido, tudo via e-mail, com a maior discrição. Sigilo absoluto, clausula de confidencialidade, essas coisas, a agencia não divulga para quem estou trabalhando, mas através de muito garimpar na rede eu encontro meu destinatário final. Depois passei a oferecer diretamente meus serviços através de um perfil próprio, aos poucos os autores foram aparecendo. Não pense que é fácil, tenho clientes regulares, é preciso adotar o estilo de cada um. O mais assíduo é um cronista de um periódico da capital, às voltas com inúmeros projetos e uma vida irregular regada a bom whisky e noitadas. O facínora, quando amanhece de porre e se dá conta que tem que enviar a sua crônica semanal, chama o querido aqui, quebra esse galho, ele diz ao final da mensagem. Manda logo uma crônica aí sobre o pôr do sol porto-alegrense ou outra banalidade qualquer E eu, sóbrio, tenho que me virar, para fazer algo original, um texto conciso, bem humorado e inteligente como somente o cronista que ele é consegue fazer; tem que usar todos os recursos, a fina ironia, o humor perspicaz, uma pitada de emoção contida e a indignação que não pode ser disfarçada. Com todos esses elementos o texto há de ficar bom, seja lá qual for o assunto. Hoje é tudo instantâneo, o texto vai por whats, o pix vem logo depois, sempre acompanhado de um breve elogio: -você é o cara. Eu capitalizo, pago umas contas e compro umas cevas, já estava com crise de abstinência, eu, o escritor sóbrio. Para todos esses caprichos leio e releio as crônicas genuínas de outrora, quando era ele ainda não tinha dinheiro e precisava ganhar a vida, e só por isso levava sua escrita a sério. Mas leio também os mestres da crônica brasileira, o insuperável Luís Fernando Verissimo, para aprender com ele. Também gosto da Martha Medeiros e do Moacyr Scliar. Já o cara bebum-pesquisei sua história- saiu daqui do interior, empregou-se num importante veículo de comunicação e trabalhou duro, mas depois que passou a ganhar uma boa grana se perdeu na farra. Não deve ter encontrado sua cara metade em Porto Alegre, senão tomaria juízo. Fosse eu solteiro também seria um grande boêmio, minha negrinha não deixa. Ele gosta de futebol, churrasco e vinho, muitas de suas crônicas começam pela boa mesa. Eu que não tenho dinheiro pra comer e beber as turras, tenho que ser ator, encarnar o personagem, e escrever experiencias de degustação que não são as minhas, mas que encontro disperso pela literatura afora. As vezes para produzir um parágrafo leio centenas de outros antes, até encontrar a ideia certa, a leitura é minha inspiração. Também já fiz TCC sob encomenda, na área de humanas, minha formação, esses eu cobro bem, porque dá muito trabalho. Muitos chegam com prazo apertado, eu viro as noites, e cobro adicional noturno.